No dia 7 de Germinal do ano VIII (28 de março 1800), segundo os registos de Mirepoix, em Ariège, um certo Jean Dabail e o seu bando, que haviam aterrorizado a região de Mirepoix durante a Revolução Francesa, tentaram assassinar o gendarme Rives, então a caminho de Mirepoix na companhia de um comerciante chamado Abraham Louis. Quis saber mais sobre este Abraham Louis (1744-1829), também conhecido como “o Judeu”, que, oriundo de Bordéus, foi mercante em Mirepoix entre 1792 e 1812, onde se tornou ilustre pelas suas motivações republicanas, mais tarde regressou a Bordéus, e cuja trajetória de vida permanece, sob diversos aspetos, enigmática.
Enquanto alguns homens ou mulheres se tornam conhecidos por ações que ficaram para a história, outros passam pela terra deixando pouco mais que as três certidões civis e paroquiais correspondentes às três grandes etapas da vida comum: o nascimento, o casamento e o óbito. Estas pessoas não podem senão ser objeto de um estudo genealógico, a única forma de os inscrever no plano de uma história mais longa que, uma vez escrita, poderá dar um sentido ao seu anonimato e, portanto, às suas horas de vida.
A exegese judaica faz uma distinção essencial entre a ίστορία (historia), ou a história dos factos, que remonta à antiguidade greco-romana, e o תולָדות (toledot), ou a história das gerações, tal como a que se encontra nas genealogias bíblicas. É esta última história que quero contar, através do continuum das suas gerações obscuras. Foi no contexto desta história que já antes tentara lançar luz sobre a figura de Abraham Louis, que, com a sua identidade marrana, se dizia dos homens “justos, honestos e de boa fé” (nas palavras de Espinosa), remetendo-nos assim para a questão do universal, hoje em dia mais atual do que nunca.
Há uma estética das genealogias cujo modelo se encontra na Bíblia e na tradição greco-latina. Além de nos reconduzir para os fastos poéticos do antigo Oriente, esta estética liga-nos ao mundo das gerações, grandes ou miseráveis, que ela ora celebra, ora lamenta ao longo dos tempos. As genealogias relevam uma espécie de pacto de leitura que, mesmo saltando nomes ou datas, anuncia ou revela ao leitor o modo apropriado de compreender a história da personagem em causa. As genealogias do marranismo mostram que uma tal história procede não só de uma longa série de mediações humanas que tende a constituir-se enquanto destino, mas também de uma contingência que eventualmente permite ao indivíduo encontrar uma nova esperança e nutrir, à luz desta última, uma possibilidade de liberdade.