(1957-1958) Maria Rosa Rosado Feliciano: fragmentos de uma separação.

1. Maria Rosa Rosado Feliciano Valente (BI n°825864-B), concluiu o 19 de Março de 1957 o curso de Dactilografia de 1 mês ministrado na Imperial – Escola Prática de Esteno-Dactilografia (Av. Almirante Reis, 197 em Lisboa).

2.Carta de Maria Rosa ao “Querido”, datada de Lisboa, 1/05/1958:

Lx 1-5-958

 

Querido:

        Depois de telefonar quatro vezes para a pensão e não te encontrar, escrevo-te.
Estás zangado comigo? Julgas-te com razão? Meu amor querido, tu não vias que eu estava tão doente, sob a acção do éter, completamente desorientada e, tu querido, sem carinho nenhum comigo, pelo contrário parecendo que fazias um grande frete em me aturares um bocadinho só. Não queria que te fosses embora, meu amor, queria a tua companhia a tua meiguice, que há tanto tempo não tenho! Querido! Compreende-me. Ao menos, que sejas justo. Tenho sofrido muito, fisica e moralmente. Tenho-te feito todas as vontades, mesmo aquelas em que não concordo muito, só pelo prazer de tas fazer. Deixei o emprego, só para ficares satisfeito, meu amor, e tu és tão injusto para quem gosta tanto de ti e não pensa noutra coisa que não seja fazer-te feliz. Meu querido amor, vê bem a situação. Eu sei, querido, que tu sabes que eu
 vergo sempre… sou tua amor!! E só isto, afinal. Já não gostas de mim? Responde francamente. Quero franqueza acima de tudo. Quero falar contigo depressa. Vim hoje a Lisboa tratar de vários assuntos. Não consegui encontrar-te. Estou cheia de pena e saudades.
Porque será que gostar faz sofrer tanto? Querido, não calculas como estou nervosa e desesperada.
Não fôste hoje almoçar à pensão, não sei, portanto, como falar contigo. Lembra-te que és a razão da minha vida, sem ti, nada me pode interessar. Quero falar contigo depressa, muito depressa. Quero que me digas frente a frente o que sentes ultimamente por mim.
Lembras-te o que te disse a última vez que te beijei? Vê se consegues lembrar-te, e, talvez vejas quanto sou tua.
Não gosto de escrever para aí, mas não sabia para onde devia fazê-lo.
Responde-me depressa a esta carta. Devo vir a Lx, dentro de poucos dias. Talvez amanhã ou depois. Tenho de resolver a vida de qualquer maneira, não posso ficar de braços crusados porque depressa o dinheiro se acaba e, infelizmente, não se pode viver sem ele.
Sempre tua  Maria Rosa.

P.S. Não estejas zangado comigo, meu amor, porque não tens razão. A tua querida [?], está arrependida por te ter deixado ir embora sem ela.

3.Carta do 4 de Maio 1957 para Maria Rosa:

P.S  já viste que poupado estou,     Lisboa, 4 de Maio 1957     até pareço um agiota.

M.R
        Conheço-te à alguns anos, dêste conhecimento a minha intuição psicológica de homem vulgar leva-me a concluir que estás doente, muito doente (posso evidentemente estar em êrro).

        Não é a medecina que cura a tua doença mas a tua vontade. Acredito no tua sinceridade, meu ponto de partida, para fazer a afirmação acima, e qualificar a tua doença de obsecação. Mal êste que nos conduz a uma parcialidade, a uma maneira errada de actuar e sempre prejudicial.
        Creio que a sua cura consiste na análise de nós próprios, olhando para dentro, isto é, o campo que deves investigar é o campo da tua consciência. Analisa as tuas reacções, abstrai-te das tuas paixões observa os resultados nos outros cujas causas te pareçam as mesmas dos que em ti se passam. Para tudo isso tens de ter vontade actuante e permanente, procura o meio, não caias no polo opôsto, que não sejas conduzida a gostar do que não gostavas isto mesmo seria um paradoxo.
         Quero enfim que tu analisando os factos e a tua acção nêles, concluas do exagêro dos teus actos.
         Para se atingir um objectivo necessário se torna que analisemos os caminhos a seguir e escolher o melhor, pensar e para isso é bom ver claro e ver-se persistente, pensar é viver, e viver é só por si belo e grandioso tentar a elevação desta é grandioso, e repara que isso é exclusivo dum ser, duma espécie entre as milhões espécies da natureza – a espécie Humana -.
         Na tua frente estende-se uma vide, mais ou menos boa, tudo depende do que fizeres agora neste teu agitado período, sabê-lo passar da melhor maneira (moral 1° e material depois) de forma a construires bases sólidas é o teu objectivo. Não construas uma estátua de pé de barro.
         Nunca estiveste ou fôste só nesta dura fase da tua vida, e só nunca serás.
         Semeia para colher alguém o disse mas a colheita ainda dura, sobretudo nao se não a aceitamos de qualquer modo, mas honestamente.
         Não quero intrometer-me duma maneira directa nas tuas resoluções podes contar com a minha ajuda, a minha opinião mas aquela não passa dum aparte, e esta é apenas uma parecer, tu decides és uma mulher e tens vontade própria, não é verdade?
         Indirectamente vou influir no teu espírito de tal modo que o obseco {?}, é precisamente isto que não quero, deves esforçar-te por conjugar os teus planos  duma maneira segura racional e de acordo com as necessidades.
         Estou a escrever-te com uma dificuldade impressionante, não consigo ordenar as minhas idéias no papel, elas correm mais velozes que o aparo da caneta, e chocam-se gerando a confusão no meu espírito. Esqueço-me do significado das coisas das palavras e ali da sua própria nomenclatura.
         Vou-me esforçando por concluir esta carta, há mais de uma hora que aqui estou a escrever-te, tenho um mundo de coisas para te dizer, mas sinto tudo confuso talvez o calor que está seja uma causa.
         Responde-me logo que recebas esta carta e dá-me notícias tuas
         Como te disse nunca estiveste só
                                                                    Guido {?}

4.Carta do pai de Maria Rosa para ela:

Rosa
Uma separação, mesmo nas melhores circumstâncias é sempre mau, quanto mais, quando existe um filho que, será infelizmente a victima da falta de senço dos pais. Ele com os seus 15 anos, precisando de carinhos, amparos, conselhos e sacrificios dos pais, para a sua formação na vida, vai-se ver desamparado entregue aos cuidados de quem em geral não os tem. Não! Um filo está sempre acima dos caprichos dos pais, é para eles que se vive, é por eles que nós temos obrigação moral de fazer todos os sacrificios.
Hája resignação, a consciência não pode ser coisa vã, é ela que nos dita o bom caminho.
A minha situação de pai e avô da-me o direito de julgar, ainda me resta a esperânça de ser escutado, de meditarem, de os ver tomar o bom caminho.
Ele Lembra-te sempre, que será o filho, a victima e será ele o supremo juiz do bom ou mau caminho dos pais.
Sejam justos! Eu terei sempre essa mágua, será para mim uma tristeza profunda, se essa creança vier a sofrer semelhante martirio, pela falta de resignação, de compreensão e de consciência. A minha idade, a minha experiência na vida e sem dúvida, a visão das coisas, leva-me, a escrever-te, pedindo-te reflexão, socego de espirito, bondade para repudiares maus pensamentos, pensamentos que por vezes são causas doentias que os dominam, sem se querer saber nem avaliar as consequências desastrosas, uma vez, eles postos em prática. O meu neto vai sempre ferido cruelmente. Concentra o teu pensamento no espirito da caridade, no grande dever de uma mãi, no verdadeiro sentimento da dignidade que uma mãi deve possuir. É com os olhos arrasados de lágrimas que te implora, já que infelizmente não posso impor, é apelando esse dever. Estou velho e a saúde é precária, nada valho, se algum valor possa ter mas tenho muito orgulho na minha dignidade e na minha honra.
Não há comparação entre uma fatalidade do destino e fatalidade premeditada. Lembra-te sempre que a amizade entre dois, se mantem com a paciência de um. Nunca os pais podem aconselhar os filhos para mal. Mais uma vez te digo, que mantenho uma certa fé no teu arrependimento, na tremenda loucura que os domina e no desejo de me poupares,sem que não tivessem que prestar contas a ninguém. a este tremendo desgosto.
Na vida temos sempre que prestar seus pais contas, pelo menos à nossa consciência.

P.P. Até à data não tivemos noticias tuas à cerca do resultado da análise que fizestes. Tua mão está em cuidados sobre o caso, manda pelo menos um postal, como prometes-te. A carta que disseste ter escrito, ainda não a recebi.

5.Carta a “Exma Sra D. Maria Rosa Rosado Feliciano” (Avenida Carlos Silva N°13-1°, Santo Amaro de Oeiras) escrita o 21/07/58 de Setúbal por ?:

Setúbal
21-7-58

    Maria Rosa
             Recebi uma carta tua datada de 18-7-58.
Peço para não me escreveres nem telefonares para o Montijo, pois não estou lá por estes dias {?} próximos.
Se quizeres encontrar-me vem a Setúbal 5a feira (24/7/58). Espero por ti das 11h para a 12 horas não estação das camionetas do j.c. Belo em Setúbal, no Largo Bocage.
Estou com muita pressa, portanto nada mais adianto.

             Adeus
{?}

P.S.   julgo poderes à hora indicada estar em Setúbal. Em Cacilhas poderás tomar uma camioneta, por volta das 10h e assim poderes chegares {?} da hora combinada.

6.Carta de João Dias Monteiro, cunhado e procurador de Maria Rosa na acção de divórcio com o seu ex-marido, datada do 23/7/1958:

23/7/1958

MARIA ROSA:

    Não aceito a sua resolução de dormir fora de nossa casa, onde nós, que vivemos do trabalho árduo, a acolhemos no melhor espírito de hospitalidade e de desinteresse. A sua primeira – e última noitada – fora de nossa casa, significa pouco consideração pela nossa casa e pelas nossas pessoas, e que, confesso-lhe, não me surpreende muito.
   Não estou zangado. Mas causa-me pena vê-la perder o respeito que deve a si própria, como mulher.
Sou compreensivo e bastante seu amigo, sem que isto, porém, me impeça de ver a indignidade do seu acto para comigo e Irene. Evidentemente que não quero de forma alguma obstar à sua felicidade (?). A MARIA ROSA é senhora de si própria e das suas liberdades, mas, deve concordar, em circunstâncias de absoluta independência e sem nos tornar coniventes.
Voltarmos a falar neste assunto-para quê? Não vale a pena.
Disse-lhe tudo o que senti e espero que me dê razão.

   João

7.Carta de João Dias Monteiro, cunhado e procurador de Maria Rosa na acção de divórcio com o seu ex-marido, datada do 3/10/1958:

Oeiras, 3 de Outubro de 1958

Maria Rosa:

   Acabo de ler a sua carta de hoje. Não me surpreende a forma como procede, como agradece e reconhece tudo quanto eu e Irene temos feito até ao presente e que, no futuro, ainda poderíamos fazer. Não sou tão bom para suportar, impassível, ingratidões como a que representa a sua decisão e atitude para comigo.
Se soube defender os seus interesses quando todos lhe voltavam as costas, na penúria, e na luta pelos seus interesses, algumas despesas tive, canseiras, vergonhas sofri e inimizades criei, julgo que agora, melhor do que outros que fingem não lhe querer comer as migalhas, melhor, repito, poderia defender o pouco tem. Mas a Rosa não pensa assim.
A resposta à sua carta, resposta definitiva, da-la-eu no dia em que sair de minha casa, definitivamente, para se instalar em Lisboa. Agradeço que me diga o dia em que sai, com a antecedência conveniente.
Sem mais, sou

João Dias Monteiro

8.Carta de João Dias Monteiro, cunhado e procurador de Maria Rosa na acção de divórcio com o seu ex-marido, datada do 6/10/1958:

6 de Outubro de 1958

Maria Rosa:

   Em virtude do seu procedimento que, aliás, não me surpreende nada, pois da sua parte tudo esperava, eu também procederei de forma diferente do que sempre pensei. Os meus conselhos para precaver o seu futuro, não os quis acatar, só lhe tendo servido em ocasiões de crise moral e material, quando todos eram indiferentes aos seus interesses e à sua má situação. E não quero dizer que seja agora melhor. Mas adiante.
De hoje para o futuro tudo muda em relação à minha pessoa. Os seus males e as suas infelicidades, sofra-as, realmente só, sendo assim como diz “a única a sofrer as consequências do seu erro”. A nossa casa amiga e sempre aberta, fecha-se-lhe, não contando mais com o nosso auxílio em circunstância alguma.
Quanto às nossas contas foram feitas e o dinheiro é-lhe entregue hoje mesmo conforme seu desejo. Tem nesta dada a receber a importância de 48.250$00 (quarenta e oito mil duzentos e cincoenta escudos). Ficando liquidados todos os abonos que lhe fiz durante estes últimos dois anos, a sua permanência em minha casa e a parte de trabalho e despesas correspondentes à minha actividade como seu procurador na acção de divórcio.
Tudo seria diferente, muito diferente do que é, mas como assim prefere, assim seja. Se se julgar lesada queixe-se que eu apresentarei as minhas razões a quem de direito.
Sem outro assunto, sou     
João Dias Monteiro

9.Declaração de João Dias Monteiro, cunhado e procurador de Maria Rosa na acção de divórcio com o seu ex-marido, e de Maria Rosa Feliciano datada do 6/10/1958:

Nesta data, feitas as contas com meu cunhado João Dias Monteiro, meu procurador na acção de divórcio com meu ex-marido, declaro que recebi em notas de Bando a importância de 48.250$00 (quarenta e oito mil duzentos e cincoenta escudos) importância esta que está certa, em face de todas as contas entre nós existentes e que com esta declaração considero arrumadas entre nós, sem a menor dúvida de parte a parte. Esta declaração vai ser datada por mim, Maria Rosa Feliciano e assinada por ambos…………..

Maria Rosa Feliciano
João Dias Monteiro
Lx-6-10-1958